Vários autores têm estudado modelos de interação explosivo-rocha, que fornecem uma descrição útil do processo de detonação como um "background" para modelar o processo de fragmentação da rocha por explosivos. Entre os principais trabalhos destacam-se: Kuznetsov (1973), Cunningham (1983), Lilly (1986), Sarma (1994) e Djordjevic (1999).
1. Introdução
Esse artigo apresenta um resumo dos resultados dos trabalhos desses pesquisadores, que estudaram e construíram modelos para a previsão da fragmentação do desmonte a explosivo. Esses modelos foram reunidos para possibilitar a construção de um programa de computador para simulação da fragmentação. A finalidade principal da simulação é a previsão da curva granulométrica da pilha detonada. Isto possibilita a alteração dos parâmetros dos planos de fogo de forma a atingir a fragmentação desejada para cada detonação.
2. Descrição dos modelos
As principais equações que compõem os dois modelos de simulação em questão são apresentadas a seguir.
2.1 O modelo Kuz-Ram
As propriedades das rochas, as propriedades dos explosivos e as variáveis geométricas do plano de fogo são combinadas usando cinco equações que compõem o modelo de fragmentação Kuz-Ram:
· Equação de Kuznetsov
Uma correlação entre o tamanho médio do fragmento e a energia de detonação aplicada por unidade de volume de rocha (razão de carga) foi desenvolvida por Kuznetsov (1973) como uma função do tipo de rocha. Essa equação foi modificada por Cunningham (1983) e é dada por:
(1) |
onde:
X50 é o tamanho médio de partícula (cm).
A é o fator da rocha.
K é a razão de carga (kg/m3).
Qe é a massa do explosivo utilizado (kg).
Er representa a energia relativa em massa (RWS) do explosivo comparada ao ANFO (ANFO=100).
· Equação de Rosin-Rammler:
A distribuição de tamanho dos fragmentos é calculada pela equação de Rosin-Rammler:
(2) |
onde:
X é o tamanho da malha da peneira.
X50 é o tamanho médio de partícula, n é o índice de uniformidade.
P é o percentual de material passante na peneira de tamanho X.
· Índice de uniformidade de Cunningham:
Essa expressão foi desenvolvida através de testes de campo por Cunningham (1987).
Ela correlaciona todos os parâmetros geométricos do plano de fogo, como segue:
(3) |
onde:
B é o afastamento (m).
S é o espaçamento (m).
D é o diâmetro do furo (mm).
W é o desvio da perfuração (m).
L é o comprimento total de carga (m).
H é a altura do banco (m).
BCL é o comprimento da carga de fundo (m).
CCL é o comprimento da carga de coluna (m).
abs é o valor absoluto referente a (BCL-CCL)/L.
· Equação de Tidman:
A energia do explosivo é calculada a partir da equação desenvolvida por Tidman:
(4) |
onde:
Er é a energia relativa por massa efetiva do explosivo.
VODe é a velocidade de detonação efetiva do explosivo (medida em campo).
VODn é a velocidade de detonação nominal do explosivo (m/s).
RWS representa a energia relativa por massa comparada ao ANFO.
· Fator da rocha:
O fator da rocha (A) foi originalmente desenvolvido por Lilly (1986) e modificada por Cunningham (1987). Para determinação desse fator são usados os dados obtidos na classificação da Tabela 1, a qual considera o tipo de rocha, direção e mergulho das descontinuidades com relação à frente livre do desmonte. O fator da rocha é usado para ajustar o tamanho médio dos fragmentos do modelo e é obtido por:
A = 0,06 x (RMD + JF + RDI + HF) |
(5) |
2.2 O Modelo TCM
Para garantir uma maior precisão na previsão da fragmentação obtida no desmonte, principalmente para os finos, foi desenvolvido o modelo de duas componentes (TCM), Djordjevic (1999). Nesse modelo, a pilha resultante do desmonte pode ser considerada uma mistura de dois conjuntos de fragmentos de rocha, ilustrados na Figura 1. O primeiro conjunto origina-se da rocha relativamente próxima ao furo. Esse conjunto de fragmentos tem ruptura compressiva-cisalhante; a influência da estrutura do maciço rochoso tende a ser muito pequena no resultado dessa fragmentação. O segundo conjunto de fragmentos de rocha, tipicamente com granulometria mais grosseira do que o primeiro, é proveniente da rocha mais distante do furo. Esses fragmentos de rocha são criados por ruptura por tração, por meio da abertura e extensão de fraturas preexistentes, planos de acamamento e descontinuidades do maciço rochoso. Esse conjunto de fragmentos abrange uma região muito maior do que a região da primeira componente de fragmentação.
Assumindo que a massa de rocha que se fragmenta devido à ruptura compressiva-cisalhante representa a fração Fc da massa total de rocha desmontada por furo, tem-se:
(6) |
onde:
Mo é a massa de rocha fragmentada por compressão/cisalhamento.
M representa a massa total por furo.
Conseqüentemente, a fração de rocha que se rompe por tração ao longo das descontinuidades preexistentes é 1 - Fc. Por causa dos diferentes mecanismos de ruptura, cada subconjunto de fragmentos de rochas precisa ser representado como uma função distinta de distribuição de tamanho. Usando a forma de distribuição de Rosin-Rammler, tem-se:
(7) |
(8) |
onde:
P1 e P2 são os percentuais passantes na peneira de tamanho (x) para as regiões de ruptura por compressão e tração, respectivamente.
c é o tamanho médio de fragmento na primeira região (ruptura por compressão).
d representa o coeficiente de uniformidade da primeira distribuição de tamanho de fragmentos.
a representa o tamanho médio de fragmento na segunda região (ruptura por tração).
b é o coeficiente de uniformidade da segunda distribuição de tamanho de fragmentos.
A soma das duas funções de distribuição, multiplicada pelas respectivas frações da massa total, Fc e (1 - Fc), representará a distribuição de tamanho dos fragmentos da massa total:
(9) |
A fragmentação fina da rocha é predominantemente controlada pela interação do explosivo com a rocha intacta (rocha matriz) e é gerada na região da primeira componente ilustrada na Figura 1. Nessa região, os fragmentos típicos têm tamanho menor que 50mm. A influência dos aspectos macroestruturais do maciço e dos parâmetros geométricos do plano de fogo (afastamento, espaçamento etc.) não é importante na distribuição granulométrica desses fragmentos.
O campo de tensões na zona de ruptura cisalhante em volta do furo é compressivo. Ambas as tensões, radial e tangencial, são compressivas. Em tal caso, a extensão da ruptura cisalhante em volta do furo pode ser estimada usando o critério de ruptura de Griffith, que, para o caso bi-axial de carregamento predominantemente compressivo, é (Djordjevic, 1999):
(s1 - s2)2 - 8T0 x (s1 + s2) = 0 |
(10) |
onde:
s1 e s2 são as tensões principais maior e menor, respectivamente.
T0 é a resistência à tração da rocha.
Assumindo um coeficiente de Poisson(n) médio de 0,25 e usando s2 = [n/(1-n)].s1, a equação para cálculo do raio da região da primeira componente é:
(11) |
onde:
r é o raio da zona de pulverização.
D é o diâmetro do furo.
T0 é a resistência à tração da rocha.
Pb é o pico da pressão de detonação no furo.
O pico da pressão de detonação no furo é estimado usando a equação de Person, Holmberg e Lee (1994):
Pb = 0,25 x r x (VODe)2 |
(12) |
onde:
Pb é a pressão de detonação aplicada à rocha (Pa).
r é a densidade do explosivo (kg/m3).
VODe é a velocidade de detonação efetiva do explosivo (m/s).
Para o desenvolvimento do programa de simulação foram estudadas algumas variações desse modelo, principalmente no que refere ao cálculo do tamanho médio e no coeficiente de distribuição dos finos do desmonte.
2.3 O programa SIMBLAST
O programa foi desenvolvido com base nos modelos de simulação de fragmentação Kuz-Ram e TCM. O programa SIMBLAST tem as seguintes características técnicas e computacionais:
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Arquitetura-cliente/servidor com base de dados Oracle.
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Interface gráfica padrão Microsoft.
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Desenvolvimento utilizando I-CASE Visual Basic 4.0 32 bits.
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Hardware: a instalação-padrão do SIMBLAST é em arquitetura departamental, requerendo, no mínimo, na estação-cliente um PC 486 DX4 100 MHz, RAM 16MB, mouse, monitor SGVA colorido e placa de rede. Servidor de processos de bancos de dados: servidor RISC/Powdwe PC (Unix ou Windows NT), INTEL (Windows NT).
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Software: sistema operacional Windows 95 (na estação-cliente) e sistema operacional Unix ou Windows NT e RDBMS.
A Figura 2 mostra a tela principal de simulação para o modelo TCM com a curva granulométrica gerada a partir de um plano de fogo.
3. Resultados
3.1 Determinação do fator da rocha
O simulador foi testado nas detonações de minério de ferro das minas da Companhia Vale do Rio Doce, em Carajás-PA. A Figura 3 mostra a frente de lavra de hematita dura (HD) escolhida para teste do simulador. Para a determinação do fator de rocha, foi utilizada a classificação proposta por Cunningham (1987). Essa classificação foi realizada a partir do mapeamento da frente de lavra com o apoio da geologia da mina. A Tabela 2 apresenta a classificação do fator da rocha para a hematita dura.
3.2 Dados do plano de fogo
A Tabela 3 mostra os principais parâmetros do plano de fogo utilizados na detonação da HD.
3.3 Comparação dos modelos Kuz-Ram e TCM
Após o levantamento dos dados geomecânicos da frente de lavra e a entrada dos parâmetros do plano de fogo no simulador SIMBLAST foram geradas as curvas granulométricas para os modelos Kuz-Ram e TCM.
A avaliação dessas curvas mostrou que o modelo TCM apresenta um maior percentual de finos. Já na fração grossa, os dois modelos se equivalem. Isto pode ser comprovado plotando as duas curvas numa mesma tela de simulação, como mostra a Figura 4. Nesse caso, abaixo do tamanho de fragmento igual a 20cm, os modelos TCM e Kuz-Ram apresentam resultados diferentes.
Como a frente de lavra de HD apresentou grande variabilidade nas propriedades do maciço rochoso, foi realizada, também, uma simulação considerando a presença de HM - Hematita Mole na área detonada. Para isso, foi recalculado o fator da rocha e realizada uma nova rodada de simulação. Nesse caso, o fator da rocha para a HM reduziu para 2,61 (contra 7,03 na HD). A Figura 5 mostra as novas curvas granulométricas geradas pelos dois modelos para a detonação de HM.
Comparando os resultados da Figura 4 com os resultados da Figura 5, conclui-se que, para maciços rochosos com um menor fator de rocha (menor resistência à compressão, menor espaçamento entre as descontinuidades e menor densidade), ocorre uma maior diferença na região dos finos entre as curvas dos dois modelos. Isto mostra que, para rochas extremamente resistentes e maciças, os modelos Kuz-Ram e TCM tendem apresentar resultados similares.
Segundo Djordjevic (1999), o modelo Kuz-Ram subestima a fração dos finos. No caso das detonações de HD, como o objetivo é a redução da geração de finos, o modelo de simulação que melhor representa a granulometria dos finos deve ser utilizado, nesse caso o TCM.
Os maciços rochosos apresentam, geralmente, grande variabilidade em suas propriedades. Normalmente, não se tem um fogo de produção com apenas um tipo de rocha. Ocorrem intrusões de HM, transições de HM/HD e HD em um mesmo desmonte. Essa situação é bastante complexa para a simulação do desmonte, pois dificulta a determinação do fator da rocha e da curva granulométrica simulada. Um mapeamento detalhado das frentes de lavra permite aumentar a precisão da simulação.
4. Conclusões
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O simulador SIMBLAST permite testar várias configurações de plano de fogo antes de sua execução, com maior rapidez e menor custo na definição, adequação e implementação de novos planos de fogo.
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Os modelos Kuz-Ram e TCM apresentam uma diferença na previsão da fração dos finos. Os resultados mostraram uma diferença nas curvas simuladas para fragmentos com tamanho abaixo de 20cm.
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Para fatores de rocha maiores (rochas mais resistentes), os modelos TCM e Kuz-Ram tendem a apresentar resultados similares de simulação. Já para fatores de rocha menores (rochas menos competente), os modelos apresentam maiores diferenças na simulação.
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No modelo TCM é evidente que a geração de finos no desmonte aumenta com o aumento do diâmetro de perfuração e da velocidade de detonação do explosivo.
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As propriedades da rocha intacta relevantes para o projeto de desmonte a explosivo são o módulo de Young, coeficiente de Poisson, resistência à compressão uniaxial e densidade. Essas propriedades, aliadas ao padrão de fraturamento do maciço rochoso, determinam a aptidão ao desmonte do maciço. Esse padrão de fraturamento, estabelecido pela atitude (direção e mergulho) e espaçamento das famílias de descontinuidades e descontinuidades aleatórias, determina o tamanho e forma dos blocos. O mapeamento geomecâmico das frentes de lavra para o desmonte é, por essa razão, de suma importância para a elaboração do plano de fogo.
5. Referências bibliográficas
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